quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Âncora & Força

Actualmente, o Evangelho de Mateus será, certamente, dos quatro Evangelhos, a narração mais conhecida, devido ao belo Discurso das Bem-aventuranças (Mt 5,1-12) ou mesmo pela oração do Pai Nosso (Mt 6,9-15). Este evangelho era central, já desde muito cedo, para Igreja primitiva. Era mesmo denominado o “Evangelho da Igreja”. Em poucas palavras, ele era para a Igreja primitiva a âncora e a força na dificuldade e na perseguição, porque tinham presentes as palavras de Jesus: «Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu.» (Mt 5,10). E a prova de que a Palavra de Deus é actual, no coração séc. XX, encontramos na boca de Etty Hillesum a mesma denominação de âncora acerca deste Evangelho, no campo de concentração nazi.

Além de ser o “Evangelho da Igreja”, é também chamado o Evangelho dos discípulos, porque só sendo discípulo, ou seja, só aceitando Jesus como Cristo e vivendo em comunhão com Ele, é que o leitor pode compreender, verdadeiramente, Jesus e a sua mensagem presente neste Evangelho. Mas o discípulo tem que ir mais além, para perceber o texto evangélico. Umberto Eco, in Seis passeios pelos bosques da ficção, refere: “É necessário mergulhar neles”! O mesmo é dizer: é necessário deixar-se envolver pelo texto, porque só assim se poderá alcançar e descobrir o que está escondido nele e o que Deus me quer dizer através desta palavra que é para todos e para cada um em particular.

Textos como o Evangelho de Mateus foram escritos para serem lidos. Eles estão direccionados ao leitor particular ou geral. Mas, como adverte Paul Ricoeur, a leitura é experiência, isto é, ler é tentar perceber a sua acção na dimensão humana do leitor.

Perceber um texto é sempre uma questão problemática. Porque só percebo a obra se perceber e conhecer o autor e as circunstâncias da sua redacção. Assim, para viver em comunhão com Cristo, segundo este escrito sagrado, devo mergulhar no texto e tentar viver em comunhão com a vida do autor como, aliás, sou chamado a fazê-lo com todos. A verdade é que quanto mais entramos num texto sagrado, mais lhe vamos percebendo riquezas que sempre lá estiveram mas que se revelam segundo o meu estado de alma. Quantas vezes acontece que, um texto lido vezes sem conta, revelou, num certo momento, uma luz providencial que nunca tinha brotado nas leituras anteriores! E daí resultou uma paz infinita que iluminou aquela situação concreta!

Ler um texto sagrado deveria implicar sempre, de algum modo, acolher um desafio novo que me implica na vida. A este propósito, deveríamos perguntar-nos, a nós próprios, mais vezes: O que fazemos com a Palavra de Deus que escutamos ou lemos? Foi só ouvida ou, antes, mergulhámos n’Ela para que nos sintamos desafiados a novas atitudes e novos comportamentos? A verdade é que enquanto não mudarmos algo em nós, como fruto da Palavra, não conseguiremos saborear a beleza e o gosto da mensagem que é de Salvação.

Proponho, hoje, este desafio: Vamos tentar mergulhar na Palavra através da leitura de Mt 5,1-12. É um dos textos mais lidos do Novo Testamento mas… imaginemos que é a primeira vez que o lemos. Deixemo-nos interpelar pela sua mensagem:

Ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele. Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo:
«Felizes os pobres em espírito,
porque deles é o Reino do Céu.
Felizes os que choram,
porque serão consolados.
Felizes os mansos,
porque possuirão a terra.
Felizes os que têm fome e sede de justiça,
porque serão saciados.
Felizes os misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia.
Felizes os puros de coração,
porque verão a Deus.
Felizes os pacificadores,
porque serão chamados filhos de Deus.
Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça,
porque deles é o Reino do Céu.
Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa.
Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu.»

Desta reflexão, resultam três propostas de leitura que aqui deixo: Evangelho de S. Mateus, o Diário de Etty Hillessum e Seis passeios pelos bosques da ficção de Umberto Eco. E um pedido de desculpa pela ausência do texto da semana anterior, mas motivos académicos não me permitiram redigi-lo.
Pasadas Pimenta
Omnes cum Petro ad Jesum per Mariam

Imagem: Cruz âncora das catacumbas (Símbolo cristão) que é o símbolo da salvação, símbolo da alma que felizmente chegou ao porto da eternidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário