quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Rocha & Modelo

A beatificação de João Paulo II (1 de Maio de 2011), a que o seu sucessor presidirá no aniversário litúrgico da sua morte, é um acontecimento histórico que, de facto, não tem precedentes. É preciso remontar ao coração da Idade Média para encontrar exemplos análogos, mas em contextos não comparáveis com a decisão de Bento XVI: Nos últimos dez séculos nenhum Papa elevou às honras dos altares o seu imediato predecessor.Temos que remontar a Pietro del Marrone (Celestino V) que foi canonizado em 1313, mas somente depois de vinte anos após a sua morte e já pelo seu terceiro sucessor.

Cabe perguntar: O que levou a que tão rapidamente seja anunciada a sua beatificação? A resposta resulta espontânea e imediata: Ter sido um autêntico servidor de Deus. E Karol Wojtyla foi isso mesmo, testemunha apaixonada de Cristo desde a juventude até ao último respiro. Disto muitíssimos, também não-católicos e não-cristãos, se aperceberam durante a sua vida exemplar com inúmeras manifestações e como documenta o seu testamento espiritual, escrito em várias etapas nos anos do pontificado.

E ao dedicar este texto ao papa João Paulo II, quero partilhar duas dimensões da vida deste papa que sempre me chamaram à atenção: A sua vida em perfeita configuração com a figura e papel de Pedro e a forma de viver a sua vocação.

A figura e o papel de Pedro em João Paulo II
Certamente que o lugar preponderante que Simão Pedro ocupa na comunidade cristã primitiva, onde aparece como porta-voz do conjunto dos discípulos, tem a ver com os acontecimentos pascais e com o facto de ser testemunha primeira das aparições (cf. a I Carta aos Coríntios). Além disso, o facto da primeira comunidade ter sido fundada por Cristo sobre a “rocha” que é Pedro. Mas esse papel de liderança de Pedro nos inícios do cristianismo, não acontece só por si. A missão de Pedro só se pode entender com base em elementos que têm a ver com o próprio Jesus, ou seja, a confissão de fé em Jesus como o Cristo Senhor e de ser garantia da fidelidade Igreja à doutrina do Senhor Jesus. E a vida, como papa, de João Paulo II, foi isso mesmo, configurada em Pedro, confissão e fidelidade ao Senhor Jesus.

Vocação geral cristã: Anúncio do Evangelho, celebração da fé e serviço fraterno
A vocação geral de todos os cristãos constitui-se em três dimensões. Martyria, o anúncio e testemunho do Evangelho pela palavra e pela vida; Leiturgia, a celebração da fé no culto e nos sacramentos e Diakonia, amor e serviço, construção da comunidade a todos os níveis e serviço fraterno da caridade.

E a Igreja, corpo de Cristo é, antes de mais, resultado destas funções. Quer isto dizer que é nestas acções fundamentais que se exprime a Igreja e o viver em Igreja. E é isto que radicalmente todos nós cristãos, somos chamados a ser e a fazer como o fez durante toda a sua vida o Papa João Paulo II. Porque é pelo anúncio do Evangelho, na celebração da fé e no serviço fraterno que se manifesta e se realiza a Igreja de Jesus Cristo porque o Senhor está presente na e pela Palavra anunciada e testemunhada (o seu Evangelho). É também na celebração da fé no culto e nos sacramentos (como momentos mais densos de acolhimento dos dons de Deus que vem ao nosso encontro) e no serviço da caridade fraterna (como mediação indispensável de verdadeira relação com Deus) que a Igreja se realiza como comunidade de salvação. Esta estrutura tripartida da vocação cristã, está bem desenvolvida por Bento XVI na sua Encíclica Deus Caritas est.

Por isso tudo é que logo em 28 de Abril de 2005, menos de um mês depois da morte, o seu sucessor dispensou dos termos prescritos para dar início da causa e decidiu também presidir à sua beatificação para apresentar ao mundo o modelo de santidade que é João Paulo II.

Pasadas Pimenta
Omnes cum Petro ad Jesum per Mariam

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Bem & Mal

O teólogo francês Y. Calvez num artigo sobre Moral social e Moral sexual louva a situação actual da moral social católica e, sinal disso, são estas suas palavras: “A intenção é assinalar que a moral social católica é adaptável, que se há-de adaptar e que intervêm, a níveis distintos, uma pluralidade de elementos.”. Mas apresenta a moral sexual católica, num nível mais negativo encontrando-se num nível inferior em relação à social. Para fundamentar tal posição cita a Declaração Persona humana sobre ética sexual: «Na história da civilização muitas condições concretas e necessidades da vida humana mudaram e mudarão ainda, mas toda a evolução dos costumes e todo o género de vida se hão-de manter dentro dos limites que impõe os princípios imutáveis fundados sobre os elementos constitutivos e das relações essenciais de toda a pessoa humana, elementos e relações que transcendem as contingências históricas» e Y. Calvez comentado o documento afirma: “É erróneo, (…), tentar limitar, como tentam alguns, o campo dos princípios (…) e enumerar diferentes preceitos expressos numa linguagem quase jurídica”. Isto de nada ajudaria.

Mas há dúvidas que na história, mesmo com todas as mudanças, irão existir e sempre existirão “princípios imutáveis”? Eu não tenho e mal de nós se não existissem. Porque, o comportamento humano, nos seus efeitos, ou seja, criação, conservação, modificação ou extinção e mesmo no âmbito sexual, alguns, senão muitos serão sempre imutáveis. Porque pela sua consciência moral, o homem sabe “fazer o bem e a evitar o mal. E também julgar as opções concretas, aprovando as boas e denunciando as más” (CIC 1777).

Mas mais digo: a pessoa na sua vida moral aceita mais facilmente os princípios e critérios norteadores para corrigir a sua vida na sua dimensão social à luz da tradição cristã, do que na sua vida pessoal sexual. Exemplo disso é a actual crise económica e financeira, onde se tem falado dum regresso a uma ética de mercado mais justa e verdadeira, em conformidade com a ensinada pela Doutrina Social da Igreja. Mas recentemente, quando o Papa Bento XVI falou acerca do preservativo, no seu mais recente livro A luz do mundo, muitos se alegraram, mas ainda mais foram os que disseram: “Obrigado santo padre mas nós há muito que o usamos”. Mas tal comportamento já o próprio Y. Calvez o diz, por “mais decisivas que sejam para a pessoa, todas as questões de comportamento sexual” são menos importantes que as questões de âmbito social. Por isso, a tese que Calvez apresenta de que para serem aceites os princípios da moral sexual católica, devem ser formulados num estilo parecido aos da moral social, não faz qualquer sentido.

Por isso, descer a exigência ou reescrever os princípios da doutrina moral sexual, não acho que seja esse o caminho mais acertado, porque quanto maior for o abaixamento da regra ou norma, mais abaixo anda o agir do homem. E isso é nítido não só na dimensão sexual, mas em todas as dimensões da vida do homem e muitas são actuais e constantemente faladas, como a educação, o comportamento cívico e até o próprio empenho e sacrifício no agir de todos. O que deve acontecer é que cada um, e em conformidade com a sua consciência, pressuponha-se, bem formada, deve ser levado “fazer o bem e a evitar o mal” (CIC 1777).

Pasadas Pimenta
Omnes cum Petro ad Jesum per Mariam

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Bem & Acção

Como reagir ao mal? Como responder ao mal? Este nome que tanto nos afecta e que se apresenta diante de nós através dos mais diversos meios: jornais, rádio e televisão, internet, etc… E com diversas faces: a crise económica e financeira, a diminuição dos bens, o desemprego, a fome e… poderia continuar até à exaustão!

O melhor caminho e a melhor resposta a todos estes males não pode nem deve ser, uma reacção directa e imediatista contra o mal. Eu explico-me melhor para não parecer que defendo a passividade: O agir da pessoa, o melhor caminho a seguir, deve ser, fazendo o bem. Todos e cada um é chamado a dar, a fazer, a estar, o melhor e o possível, tendo uma meta: o bem comum. A interpretação cristã ao longo da história inspirada em Jesus, é romper a espiral do mal e ter a coragem da construção do Bem! E isso tem a eficácia, logo a partir da procura bem como na sua realização.

No documento Sollicitudo rei socialis, n.36., João Paulo II define uma existência de «estruturas de pecado», e afirma que o mundo está submetido a elas. Essas estruturas são um conjunto dos factores negativos, que agem em sentido contrário a uma verdadeira consciência do bem comum universal. Se a situação actual se deve às «estruturas de pecado», estas radicam-se no pecado pessoal e, por isso, estão sempre ligadas a actos concretos da pessoa. Estas consolidando-se em cada gesto pérfido e tornando-se cada vez mais difícil removê-las e reforçadas, expandem-se e tornam-se fontes de outros pecados, condicionando o comportamento da pessoa.

Só com a conversão, só com uma nova ética de vida, acontece a conversão das estruturas. Porque é na relacionalidade interpessoal, ligada à interiorização dos verdadeiros valores que surge a desejada vida boa, que na sua máxima expressão, apresenta uma positividade que ultrapassa os limites do indivíduo.

Um último passo: confiar-se ao outro, facilita uma verdadeira liberdade de vida. Nisto que exige da parte dos homens atitudes precisas, é que se exprimem também acções de confiar. E já na «segunda tábua» dos dez Mandamentos (cf. Ex 20, 12-17; Dt 5, 16-21) vem escrito que: com a inobservância destas, ofende-se a Deus e prejudica-se o próximo, introduzindo no mundo o egoísmo e não a confiança, condicionamentos e não liberdade e obstáculos que quebram a ordem e a harmonia estabelecida por Deus.

Pode concluir-se que se o mal feito tem consequências imprevisíveis, somente um pequeno gesto de bem realizado terá ainda consequências maiores. E é Jesus que nos diz: “Quem der de beber a um destes pequeninos, ainda que seja somente um copo de água fresca, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá a sua recompensa.»” (Mt 10, 42).

Um ano de 2011 segundo a vontade de Deus
Pasadas Pimenta

Imagem: WEYDEN, Rogier van der - Braque Family Triptych (detail)