terça-feira, 12 de abril de 2011

A ressurreição de Cristo & a nossa

A Quaresma está a caminhar para o seu termo. Na próxima semana, desejo preparar-me convenientemente para viver da melhor forma a chamada Semana Maior, maior não no tempo mas no Mistério que nela se encerra. Neste contexto, impõe-se que o último texto do blogue Tejo & Teologia, antes do Tempo Pascal, aborde o tema da Ressurreição de Cristo e a nossa.

O apóstolo Paulo escrevia aos Coríntios: “Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Cor 15,3-4). Pela sua ressurreição é esperança da nossa ressurreição. Por isto, os cristãos de hoje, como os de todos os tempos, na fórmula da pela qual professam a fé em Jesus Cristo (Credo), que “ressuscitou ao terceiro dia conforme as Escrituras” e “esperamos a ressurreição dos mortos”. Nesta profissão de fé ressoam as palavras de Paulo à comunidade de Tessalónica: “os mortos em Cristo ressurgirão primeiro” (1Tes 4,16).

A ressurreição de Cristo não é algo de fechado em si próprio, mas um dia estender-se-á a todos os que pertencem a Cristo. Como a nossa futura ressurreição é a extensão aos homens da própria ressurreição de Cristo. Por isso, a ressurreição representa a maior comunhão com Cristo e com os irmãos e também o fim mais alto da esperança: “ E assim estaremos para sempre com o Senhor” (1Tes 4,17). Então, a ressurreição final gloriosa será a mais perfeita comunhão, mesmo corporal, entre os que são de Cristo, já ressuscitados, e o Senhor glorioso.

Em razão desta fé, e tal como Paulo no Areópago, os cristãos do nosso tempo, quando afirmam a ressurreição dos mortos, são alvo de troça (cf. Act 17,32). A este respeito, a situação actual não difere da que Orígenes descrevia na sua época: ”Além disso, o mistério da ressurreição, porque não compreendido, é alvo de comentários trocistas dos infiéis” (Contra Celsum 1,7). Estes ataques e escárnios não conseguiram que os cristãos dos primeiros séculos deixassem de professar a fé na ressurreição ou que os teólogos dessa época abandonassem o tema. Todos os Símbolos da fé têm o seu ponto máximo no artigo da ressurreição. Por isso, a ressurreição dos mortos é o tema mais frequente da teologia pré-constantiniana e é muito raro que se encontre uma obra de teologia cristã primitiva que não fale da ressurreição. Neste caso, a actual oposição e confusões feitas pelo mundo à ressurreição, e falo da Filosofia da Morte de Deus de Nietzsche e das Filosofias Orientais da reincarnação, não nos deve assustar ou intimidar.

Desde a época patrística a profissão da ressurreição é-nos apresentada de uma forma completamente realista. Parece que a fórmula “ressurreição da carne” teria entrado no Símbolo romano antigo para evitar uma interpretação espiritualista da ressurreição que, por influência gnóstica, tinha seduzido alguns cristãos. No Concílio de Toledo XI, ano de 675, expõe-se a doutrina de uma forma reflectida: Recusa-se a opinião de que a ressurreição se produza “numa carne etérea ou numa outra qualquer”; a fé refere-se à ressurreição nesta carne em que vivemos, subsistimos e nos movemos”. Esta confissão mantém presente o modelo que nos foi oferecido, Cristo, em que “Seu corpo ressuscitado é Aquele que foi crucificado e apresenta os vestígios da Sua Paixão” (Compêndio 129). Esta última alusão a Cristo ressuscitado mostra que o realismo se mantém de tal forma que não exclui a transformação dos corpos que vivem na terra, em corpos gloriosos. Apesar disto, esta ressurreição conserva a tensão entre a continuidade real do corpo (o corpo que foi pregado na cruz é o mesmo corpo que ressuscitou e se mostrou aos discípulos) e a transformação gloriosa deste mesmo corpo. Cristo ressuscitado, não só convidou os discípulos a tocarem n’Ele mas também que acreditassem verdadeiramente que era Ele mesmo, exortando: «Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um fantasma não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho.» (Lc 24,39).

Contudo, não retomou na sua ressurreição o estado de vida terrestre e mortal. Assim, mantendo o realismo no que diz respeito à ressurreição futura, não se pode esquecer que a nossa verdadeira carne será, na ressurreição, corpo glorioso de Cristo: “Ele transfigurará o nosso pobre corpo, conformando-o ao seu corpo glorioso, com aquela energia que o torna capaz de, a si mesmo, sujeitar todas as coisas” (Fil 3,21).

Pasadas Pimenta
Omnes cum Petro ad Jesum per Mariam

Imagem: MINIATURIST, English - Christ in Glory (1200)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Manifestação & Gratuidade

As acções de Deus pautam-se por uma gramática radicalmente diversa da nossa. As nossas são marcadas pelo egoísmo, as de Deus são puro amor. Quando Deus escolhe, se tivéssemos que apontar um motivo para a Sua escolha, esse motivo não seria, certamente, em função do valor da pessoa ou da sua beleza. Deus escolhe pela gratuidade de manifestar o seu amor nos Homens, logo, podemos falar de amor ou predilecção.

Ao falar de amor ou predilecção, podemos correr o risco de misturar a dimensão teológica que tem função catártica, ou seja, de purificar o nosso agir e o nosso olhar, com a visão grega, em que a escolha é feita em função do que atrai e seduz o olhar. (cf. Platão sobre o amor nos seus diálogos). Mas esta é a diferença ontológica entre Deus e os Homens. Deus é o Belo e nada há mais belo que Ele, por isso, o seu olhar nunca seria seduzido. É por isso que o que O move é tornar belo o homem, isto é, criar “o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher. Abençoando-os, Deus disse-lhes: «Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra.” (Gn 1,27-28).

Deus quando escolhe, não escolhe os melhores, antes, torna-nos melhores, para confundir os sábios. E quando Deus escolheu o povo de Israel, como seu povo eleito, não é porque ele é melhor que os outros, mas sim porque Deus quer manifestar nele o seu poder transformando-o. "Por isso, a atrairei, a conduzirei ao deserto e lhe falarei ao coração" (Os 2, 16).

Exemplos dessas escolhas especiais feitas por Deus, podemos vê-los em Oseias, Jeremias, Moisés e até S. Paulo. Sendo que este último dizia de si: “Em último lugar, apareceu-me também a mim, como a um aborto. É que eu sou o menor dos apóstolos, nem sou digno de ser chamado Apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus, sou o que sou e a graça que me foi concedida, não foi estéril” (1Cor 15,8-10).

Mas é sobre a actualidade da mensagem de Oseias que quero hoje falar. Denuncio das injustiças e da corrupção. Oseias insistia, particularmente, na corrupção do culto e da política. O profeta desmistifica a História, adoptando uma posição crítica. E é a partir desta visão da História que desenvolve a teologia do amor nupcial de Deus pelo seu povo: Deus ama com um amor fiel; ao contrário, o povo responde com infidelidades: “Juram falso, mentem, assassinam, roubam, cometem adultério, usam de violência e derramam sangue sobre sangue. (…) – e o amor deles para com Deus – é como a nuvem da manhã, como o orvalho matutino que logo se dissipa.” (Os 4,2;6,3)

Todavia, depois da dureza de todas as críticas e do anúncio da desgraça, o castigo não é a última palavra de Deus revelada pelo profeta. Mesmo que o povo não esteja totalmente arrependido, Deus acolhe-o e ensina-o como pai, e o seu amor gratuito acaba por triunfar.

É como nos ensina o nosso Papa Bento XVI no seu livro, Luz do Mundo e, assim, concluo: “Existem tantos problemas. Todos têm de ser resolvidos, mas nenhum é resolvido se Deus não estiver no centro e não se tornar de novo visível no mundo”.

Omnes cum Petro ad Jesum per Mariam
Pasadas Pimenta

Imagem: ANGELICO, Fra - Missal 558 (Folio 21) (1430)